quarta-feira, 23 de abril de 2014

TEXTO DA EXPOSIÇÃO "VOLÚPIA" 2013

Volúpia de artista
A languidez e sinuosidade das formas femininas sempre foram exploradas na profícua produção de Elieni Tenorio, que nesta Primavera parece desabrochar em novas proposições a nos surpreender.
“Volúpia" mostra a artista em um novo salto, adentrando impetuosamente em um território híbrido, e ampliando suas construções sem pudores - e como sempre sem nenhum.
Elieni subverte a imagem tradicional da mulher-modelo-mãe-submissa, e rasga o vestido no meio do salão e se liberta: o mundo ganha uma artista de largos horizontes e olhar generoso.
Para quem espera moldes, linhas sobre papel manteiga e vieses dourados vai se deliciar com esta nova invenção, este mergulho tecnológico onde apropriação é a palavra chave: Elieni recupera alguns elementos que vem ocupando importante lugar em sua pesquisa, e toma para si cenas de amor e as submete a alquimias hightech para alcançar resultados cheios de metáforas de luz e cores, em meio a danças arfantes de intimidades desnudadas pelo olhar do espectador que a artista convida a dividir sua obra. Não economiza em inventividade, seja na montagem final, seja nas propostas de leitura das imagens, sempre a nos indicar multiplicidades de caminhos e interpretações.
Ousadia. Criatividade. Inovação. Resignificação. Todos esses conceitos estão impressos em “Volúpia”, que inova na montagem e nos relembra o casamento da imagem com o movimento, que originou o cinema, grande paixão da artista. Elieni nos conduz pelos seus desejos e predileções, abre sua caixinha de surpresas e nos oferece uma coleção constituída com amor, a grande diferença.

Maria Christina
Primavera de 2013

"VOLÚPIA" GALERIA TEODORO BRAGA- CENTUR- 2013




















TEXTO DA EXPOSIÇÃO "FRAGMENTOS DO CORPO" NO MABEU- 2013

FRAGMENTOS DO CORPO – Elieni Tenório

Fragmentação é um termo caro à modernidade. Observações filosóficas 
traduzem esse tempo como uma era em que tudo se desmancha no ar, na síntese 
precisa de Marx, ou como um fluxo vertiginoso e incessante de destruição criativa e 
criação destrutiva, na sentença contundente de Nietzsche. Reflexo agudo dessa época, 
a Arte Moderna exprimiu com virtuosidade essas questões, especialmente a partir do
Cubismo, com Picasso e Braque, implodindo a clássica perspectiva renascentista e
desconstruindo o espaço, a forma e a figura. Amparada por estas reminiscências
históricas, que este conceito de fragmentação sugere, Elieni Tenório em sua nova fase
engendra a fragmentação de seus corpos por meio de um compulsivo movimento de
corte-e-costura, recorta-e-cola, pinta-e-borda de suas referências formais. A inspiração
maior é o figurino feminino, na verdade tema recorrente em sua obra, sempre
agregado ao apelo erótico e, neste sentido, usando o corselete como peça matriz
inspiradora para o desdobramento dos volumes e formas do trabalho. Dessa operação
resultam grandes painéis na forma de colchas de retalhos, caixas de papelão (outrora
embalagens de roupas de boutique) como objetos que guardam os vestígios das vestes
e manequins que, interferidos pela artista, vestem-se como modelos-moldes para os
corpos recortados. A pele é o papel enquanto suporte, adotado como campo plástico
para que tesouras-tesudas e agulhas-falos lancem fagulhas na dança das costuras,
alinhavando, atiçando rasgos-vulvas, vazios e volumes dos moldes e modelos, criando
elaboradas modelagens amor-talhadas. Entra em cena a linha: a linha desenhada que
faz o papel da linha de costura que nessa operação a tudo sutura, agrega, arremata. A
linha como elemento essencial de sua trama, como uma obsessiva, mas vã, tentativa
de juntar os tais caquinhos de nossa modernidade perdida e que, nessa atitude e no
contexto atual, se quer pós-modernidade. Sorry periferia, que a artista tenha deixado
no guarda-roupa (esperamos que apenas por ora) suas consagradas narrativas visuais
do cotidiano feminino de figurino nelsonrodriguiano, pois a “cumadre” Elieni é uma
exímia contadora de histórias. Mas, num olhar-voyeur mais atento, como não entrever
em suas novas tramas uma tessitura (mais sutil, decerto) de quem rasga seu
suburbano coração (quem nunca?) e, entre cortes, frestas, fendas, decotes, derriéres e
lingeries, deixa que nossa mão errante adentre atrás, na frente, em cima, em baixo...
Entre! Pois, esses entrelaces e riscados, não insinuariam uma voluptuosa caligrafia do
desejo? Tais linhas de costura não seriam sua própria linha de escritura? Talvez
representem, no dizer de Barthes, fragmentos de um discurso amoroso, arrematados
por Matos Guerra, por Matos Guerra, como retalhos de um corpo místico que somente a alguns homens
é dado lê-la. Eu sou um que sabe...

Jorge Eiró
Janeiro 2013.

FRAGMENTOS DO CORPO- 2013















quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Revista Leal Moreira



Ano: 7
Revista
n° 27
Capa: Luis Fernando Veríssimo

Espelhos de si

Belém, 02/12/2010 16h29

O universo feminino desnudado pelo talento da artista plástica Elieni Tenório

Por Arthur Nogueira/ Fotos Luiza Cavalcante

Elieni Tenório: sensibilidade e talento para representar o feminino e

todas as suas nuances

Enquanto subíamos as escadas do ateliê, a anfitriã repetia, com entonação e vocabulário muito particulares, que não deveríamos "reparar a bagunça", porque a reforma de sua casa não estava concluída e, portanto, o papo correria em meio à construção. Minutos mais tarde, já instalados, à vontade e naturalmente sem "reparar" qualquer desordem, ela se referiria novamente às estruturas inacabadas, porém sob uma perspectiva adversa, relacionada ao seu processo criativo - "baseado na construção e desconstrução". De fato, essa era a característica que saltava aos olhos no ambiente daquela sala incompleta, repleta de esculturas, manequins, gravuras e telas que, a partir de formatos diversos, traduziam para nós a personalidade exuberante de uma artista em constante movimento e reinvenção, cuja velocidade do pensamento por vezes atropelou a retórica. "Quem adquire um trabalho meu leva consigo um pouco da minha essência", declarou em dado momento, como se dividindo conosco a descoberta.

Galeria de fotos

Aos 56 anos, Elieni Tenório expõe a própria trajetória com invejável viço. "Nasci para ser artista, desde criança gostava de desenhar, cortar o pano e montar no vidro", conta. Natural de Mazagão, no interior do Amapá, jamais cogitou se tornar a premiada profissional que é hoje, com um currículo prenhe de exposições ao redor do mundo. "Não pensava em futuro, mas sentia que estava no caminho certo", revela. O foco de sua criação, não por acaso, é o universo feminino, marcado pelo senso intuitivo, a partir do qual desenvolve peças que agregam toda a sorte de cores, formas e superfícies - "a figura da mulher se faz presente porque minha arte é um espelho de mim mesma".

Hoje, esposa, mãe e avó dedicada à família, classifica sua identidade artística como resultado de uma trajetória incomum, marcada por provações de cunho moral. "Exatamente por ser mulher, era mais difícil expressar o que sentia [as angústias e desejos] e isso me instigava ainda mais a produzir", ponderou. "Imagine você que meu pai era policial e evangélico", riu-se. "Quanto mais dizia ‘não’, mais eu me sentia desafiada."

Ao abordar a temática do desejo, Elieni afirma que almeja revelar fantasias e, como uma espécie de Hilda Hilst das artes visuais, transitar sobre a linha tênue que separa a sensualidade e o erotismo. Por conta disso, o artista plástico e fotógrafo Marco Antonio Serrão, ao escrever sobre o trabalho da amiga com altas doses de reverência e entusiasmo, citou Picasso – "a arte nunca é casta e deverá ser afastada de toda a estupidez inocente". "Penso que deve ser assim, até porque defino o processo de criação como uma espécie de masturbação mental", diverte-se Elieni. "Como posso dizer o que penso, me expor, traduzir a minha paixão, sem atingir o gozo pleno?", questiona antes de traçar o instigante comparativo de que finalizar uma obra de arte é como "chegar ao clímax". "Dizem que o artista não tem sexo, eu tenho vários", complementa, aos risos.


A artista se especializou em técnicas diversas, como a pintura

Devido ao caráter sensorial de seu trabalho, a artista se especializou em técnicas diversas que não só a pintura. Em texto de apresentação da exposição individual "Silêncio que evoca" (1999), ela afirma que sua obra "compreende muitas experimentações, incluindo técnica mista sobre suportes pouco convencionais", tais como papel de parede, vinil, tecidos e até embalagens ou frascos vazios.

Em uma fase intitulada "Volúpia" (2003), tal diálogo de referências se apresenta a partir de discos de vinil forrados com meia-calça feminina, que adquirem forma semelhante às telas de bordado antigas e que, ora pintados com cores berrantes, ora costurados com linhas grossas, insinuam a anatomia dos órgãos sexuais humanos. Em algumas dessas peças, a partir de 2007, a artista aplicou frascos de desodorante roll-on, que, estilizados, assumiram a forma de um falo. "Antigamente colocava um véu no meu rosto, mas hoje admito que meu trabalho é erótico", diz.

Quando analisa o domínio da costura, Elieni Tenório mais uma vez busca refúgio em referências de outrora. "Minha mãe era costureira", relembra. "Ao trabalhar num pano, identifico minha própria história, mas principalmente a dela". Ainda com relação ao que ficou para trás, a artista demonstra interesse na figura do corselet (ou espartilho), uma peça do vestuário feminino largamente utilizada no passado. "Ele tem a função de delinear a cintura e deixar a postura ereta", explica. "Ao mesmo tempo em que aprisiona o corpo da mulher, modela-o", complementa, com base em estudos relativos à geometria feminina.


"Sobre a Pele", de 2006, rendeu vários prêmios à artista plástica

Não por acaso, em ‘Sobre a pele’ (2006), trabalho ganhador do 2° Prêmio do Salão Arte Pará daquele ano, a artista desenvolveu, por meio de manequins femininos, uma espécie de mapa investigativo de compreensão do corpo da mulher, no intuito de estabelecer seus limites e compreender as relações entre o sujeito e o mundo exterior. As peças, ao longo do tempo, sofreram adaptações, variando formato e suporte, e foram contempladas em concursos como a Bolsa de Pesquisa do Instituto de Artes do Pará – IAP (2009) e o edital Rumos Itaú Cultural – Artes Visuais (2009).

Pelo caráter particular e inventivo, a obra de Elieni Tenório desperta interesse por onde passa. Não foi diferente na Alemanha, mais precisamente na Galeria Bellevue-Saal, em Wiesbaden. Em uma mostra intitulada "Obsessão" (2009), a primeira individual que realizou no exterior, suas peças foram sucesso de crítica e se tornaram conhecidas em praticamente toda a Europa. "Nunca imaginei ser recebida dessa forma, porque eles [os europeus] são introspectivos, diferentes de nós, brasileiros", compara. "Além disso, o reconhecimento lá é muito importante para eu me sentir segura e tranquila com o que faço aqui", diz ela, que em 2010 completa vinte e um anos de carreira.

Em clima de descontração e hospitalidade, depois de tantas histórias, a conversa finalmente chegou ao fim. Pausa para fotos e, então, hora de descer as escadas, onde tudo começou. No caminho de casa, a fim de corroborar as impressões acerca desta obra tão particular e, ao mesmo tempo, múltipla, visitei o site elienitenorioartplast.blogspot.com. Fui recebido com uma trilha sonora bastante sugestiva - Edith Piaf, em ‘La Foule’. Aí não restaram dúvidas de que estava certo desde o início.



A sensualidade permeia os trabalhos de Elieni desde que ela descobriu os caminhos da arte.